A Desnecessária Existência do “Snyder Cut”

Paladin Allvo
7 min readFeb 26, 2021

--

Eu cresci com o mundo dos super heróis por influência do meu pai. Leitor dos quadrinhos da Marvel e DC desde sua adolescência, ele me apresentou esse mundo bizarro e fascinante dos quadrinhos. Mas nem em tudo nós concordamos. Ele prefere o Batman e eu o Superman, e eu tenho um lado mais próximo da DC Comics do que da Casa das Ideias (embora eu leia um encadernado de ambas aqui e ali).

Então é claro que um universo compartilhado da Warner seria mais do que bem vindo e tudo parecia ir bem com “Homem de Aço” (2013). O diretor Zack Snyder já tinha caído nas graças do público com a sua visão de Watchmen (2009) e 300 (2007), este último sendo um literal quadro a quadro da obra de Frank Miller, um escritor que um dia admirei porém hoje o vejo como um projeto de fascista e antissemita.

O Superman da Era de Ouro, de meados dos Anos 1940.

Eu era um tremendo fã do Homem de Aço do Snyder. Uma visão “realista" da chegada do Último Filho de Krypton que substitui o sentimento de esperança e proteção pelo medo e desconfiança. Quando se é adolescente, tudo isso parece maneiro e adulto; hoje a ideia que tenho é do Snyder na verdade não saber p**** nenhuma de quadrinhos.

O Superman foi criado por dois descendentes de imigrantes, Jerry Siegel e Joe Schuster. O fato de Kal El ser sim um imigrante porém tão cidadão americano quanto qualquer um nascido em Metrópolis perde o sentido ao dotar o personagem de desconfiança, e Snyder está basicamente dizendo que toda pessoa de fora precisa ser vista com desconfiança. O mais engraçado dessa história é que o herói não demonstra qualquer ameaça além de resgatar umas pessoas aqui e ali.

Batman V Superman: A Origem da Justiça (2016) é outra bomba. A introdução tardia de um Batman que já luta contra o crime há duas décadas, uma Mulher Maravilha que apesar de incrível, meio que só é jogada ali (e isso nas duas versões, tanto a de cinema e a sem cortes) e tantas pontes mal exploradas só serviram de piada entre o público e a crítica. O final triste dessa história foi Liga da Justiça (2017), que teve troca de diretores e diferenças criativas. E quando parecia que o relacionamento do diretor com a Warner havia terminado, os fãs — e o diretor—por algum motivo resolveram que deviam reatar.

A Campanha do #ReleaseTheSnyderCut

Tudo começou por volta do finalzinho de 2017. Rumores de uma “versão do diretor" que supostamente havia sido cortada do filme final surgiram pelas redes sociais (especialmente no Facebook onde tudo que é site de cultura pop usava isso como click bait). A comoção ficou quieta até 2019, onde a tag #ReleaseTheSnyderCut começou a surgir. E só foi aumentando e aumentando até chegarmos em 2020, onde ou por birra ou por muita mas muita insistência, Zack Snyder anuncia em uma live que o tal do Snyder Cut seria lançado pelo HBO Max, o streaming da Warner. E todo mundo foi à loucura.

Só tem um pequeno problema nessa história toda (que parece ter saído de um livro de auto ajuda): Zack Snyder não é um bom diretor e sua visão artística é completamente distante dos heróis dos quadrinhos. E digo mais: a campanha do Snyder Cut foi a coisa mais patética que eu já vi na minha vida, é uma dor de cotovelo desnecessária de uma péssima administração no departamento dos filmes da DC nos cinemas. Mas vamos aos motivos pelos quais essa nova versão não me agradou e nem me animou.

Sombrio Não É Sinônimo de Adulto

A insistência do Snyder em fazer o Superman com cara de mau é algo que me irrita profundamente.

Um dos diversos “elogios" que os fãs fazem aos filmes do Snyder é sobre como eles são adultos por terem um tom mais sombrio e cinza, ao contrário da Marvel que só faz “filmes coloridos pra crianças". E não existe erro maior que ter esse pensamento.

Para início de conversa, os quadrinhos em sua essência SÃO coloridos. Até as histórias mais sombrias desta mídia como “Asilo Arkham: Uma Séria Casa Em um Sério Mundo" e “A Piada Mortal" possuem uma colorização bem forte. Segundo, estas são histórias do Batman, aqui dá para ser mais soturno e sombrio por conta da temática do personagem. Você não aplica a estética do Batman ao Superman, Lanterna Verde ou qualquer outra personagem fora de Gotham.

Asilo Arkham usa de cores aquareladas super fortes e é uma das histórias mais sombrias do Batman.

E o que Snyder faz? Justamente insistir nessa estética sombria e pessimista em outros personagens. É quase como se os filmes do diretor no DCEU estivessem sob o ponto de vista do Homem Morcego, implicando que ele é o protagonista da história—sendo que essa ladainha toda começou com um filme do Superman. Esse é um dos meus bloqueios para seriados americanos de plataformas como Netflix e Amazon: achar que para ser adulto, você precisa fazer uma história regada a sangue, sexo, palavrões e atmosfera sombria protagonizados por um personagem principal “fodão”. Não me leve a mal, atmosfera sombria pode ser usada e em alguns casos é necessário para a história. Porém, o o Snyder acha que todo mundo precisa ser um Edgy Lord™ pra provar o quão maduros são seus filmes e isso é péssimo.

Personagens Distorcidos

O maior desafio de uma adaptação é traduzir os personagens para a mídia onde estão sendo adaptados. Tem casos onde a transição é perfeita como a versão cinematográfica do Capitão América e tem casos iguais aos de Liga da Justiça, onde os personagens são completamente distorcidos. E não é uma reclamação acerca de descaracterização porque personagens de quadrinhos podem se adaptar de acordo com seus autores (como brilhantemente aponta o Terraverso neste texto), mas sim sobre ignorar aspectos básicos deles.

Um dos melhores exemplos é o Flash do Erza Miller: Barry Allen, um homem da ciência, deu lugar a um bobo alegre com toques de cientista gênio. Outro caso é o Superman do Henry Cavil que parece estar triste o tempo todo. O Aquaman ficou bem mais engraçadinho e atrevido (porém aqui adicionou muito ao personagem graças à performance do Jason Momoa). Talvez os únicos que o Snyder não distorceu foram a Mulher Maravilha de Gal Gadot — que teve um filme solo incrível em 2017— e o Cyborg do Ray Fisher, que pegou muito do estabelecido pela dupla Mark Wolfman/George Pérez. Nem vou falar do Batman ser uma cópia da versão do Frank Miller diluída porque a mera associação do Ben Affleck à versão de um escritor com um pé no autoritarismo e antissemitismo é humilhação demais.

Filmes Longos DEMAIS

TRÊS HORAS para contar algo que dava pra resumir em duas e meia.

Outro traço dos filmes de herói do Snyder é a duração excessivamente longa deles. O próprio Snyder Cut terá quatro horas (!) de duração e essa característica demonstra a falta de tato do diretor. Os filmes não são longos por sua densidade de conteúdo mas sim porque o Snyder sente uma necessidade inexplicável e gigantesca de explicar tudo de uma vez só em um filme só. Não existe gancho para futuros filmes do Aquaman e do Ciborgue, não, apresenta eles em BvS e em seguida já põe eles na Liga.

A duração de um filme é relativa a cada diretor e dependendo das intenções do enredo funciona muito bem, porém o que Snyder insiste em contar em TRÊS HORAS E MEIA algo que poderia ser resumido em duas horas. A questão é que ele simplesmente perde tempo inserindo referências aos quadrinhos e outros personagens e muito do enredo é repleto de furos (A versão estendida de BvS resolve alguns mas deixa outros furos, a título de exemplo). Filmes de três horas em casos como Vingadores Ultimato (2019) e a Trilogia O Senhor dos Anéis de 2003 servem por conta do tempo necessário para amarrar tudo. Porém no DCEU, é pura perda de tempo gasto com “takes contemplativos” e cenas que parecem mais—com perdão da grosseria—uma masturbação do diretor à própria genialidade inexistente.

Concluindo: Existe Necessidade de Um Snyder Cut?

O que fez o Universo Cinematográfico Marvel ter sucesso foram as diferenças de visão de múltiplos diretores. Embora obrigados a seguir uma cartilha dos Irmãos Russo, cada filme da Marvel adaptava o herói em destaque a sua maneira. Thor foi de um personagem sem graça e arrogante a um fanfarrão que faz piada com tudo em Thor Ragnarok, por exemplo. Na Warner, jogaram tudo na mão do Snyder e não deu espaço a outras visões criativas até 2017, ano de lançamento do longa da Mulher Maravilha. É claro que teve muita treta envolvida no processo e longe de mim passar pano na Warner pelas péssimas decisões criativas e de marketing, porém não dá para dizer que o Snyder fez um bom trabalho.

O universo da DC dos cinemas só engrenou quando Snyder saiu da direção de vez: Mulher Maravilha foi um filme bem consistente, Aquaman fez 1 bilhão. Ou seja, está mais do que claro como a Warner não precisa dessa visão sombria e pseudo realista do diretor, logo, não é necessário algo como o Snyder Cut. Porém, se você está animado(a), tá tudo bem, não precisa diminuir seu hype porque eu não gosto do trabalho do Snyder. Mas honestamente, que a Era Snyder fique para trás de vez dessa vez, e para sempre.

Bem, foi isso. Espero que tenham gostado do papo e até a próxima! Fiquem bem.

--

--

Paladin Allvo
Paladin Allvo

Written by Paladin Allvo

Brasileiro fã de anime, mangá, joguinho e quadrinhos. Escrevo as coisas que penso e/ou vivencio.

No responses yet