Avatar: O Último Mestre do Ar é Um Resumo Raso e Apressado

Paladin Allvo
9 min readFeb 25, 2024

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Sem saber usar bem o formato de série de TV, adaptação da Netflix acerta no visual e erra no resto.

Eu inicialmente fiquei com um pé atrás com o anúncio da série live action de Avatar. Amo o desenho original ao ponto de que vários momentos icônicos do desenho ficaram na minha memória de infância, já que eu costumava assistir Avatar: A Lenda de Aang perto de onze e meia da manhã almoçando antes de ir para a escola. Revendo na pandemia, eu acabei gostando ainda mais dessa mídia, especialmente pela sutileza de falar sobre assuntos sérios para um público infantil. Então, um anúncio de saída dos criadores por “diferenças criativas” (isso é uma red flag por si só), o primeiro sentimento obviamente é de desconfiança. Porém, quando as primeiras imagens saíram, a fidelidade visual surpreendeu e o primeiro trailer da série me deu certas esperanças.

Mas a vida é uma caixinha de surpresas e é óbvio que nada é tão bom assim. “Vamos remover o conteúdo machista do Sokka” e “O Aang será mais focado em sua missão de Avatar” foram algumas notícias veiculadas sobre a série. Mudanças eram esperadas, mas foram anúncios tão ridículos que virou motivo de piada entre os fãs, especulando qual seria a próxima notícia besta.

Finalmente depois de tanta espera, estreou o live action da Netflix. Ele é melhor que o filme de 2010? É. Mas isso não é um mérito muito grande.

Bons Visuais, Escrita Péssima

Vamos deixar uma coisa bem clara: a parte visual da série é um dos pontos positivos. A caracterização dos atores é boa, temos poucas perucas bizarras (com exceção da Yue), os figurinos são bem próximos aos do desenho, com mais detalhes. Os efeitos especiais são 8 ou 80, tem dobras de água muito bonitas e outras que gritam “nossa que troço falso”, é um dos preços a se pagar tentando transmitir animação para a vida real. As cenas de ação são bem dirigidas mas acabam perdendo força com o uso de slow motion, que estraga algumas delas (tem uma luta do Aang contra o Zuko no episódio 4 que usa três vezes em sequência). Fidelidade é uma coisa bacana e tal, mas não é só disso que uma série vive, até porque o filme de Fullmetal Alchemist é fiel visualmente mas não significa que ele é bom (embora eu tenha gostado quando vi da primeira vez).

O que A:OUMA peca mais é em como a história foi conduzida. Eles correram tanto com a história que o desenvolvimento dos personagens ficou raso demais. Não só isso, o enredo subestima a inteligência do público e insiste em explicar tudo mastigadinho, sem sutileza alguma ou naturalidade nos diálogos.

Não sou contra diálogos expositivos como muitos por aí, desde que sejam bem encaixados na história, mas aqui deixou a impressão de que os roteiristas não tinham tempo para incluir tudo o que precisavam e só foram fazendo o chamado “lore dump”, perdendo minutos de episódio explicando um conceito (o episódio do Mundo Espiritual foi insuportável justamente por esse aspecto). Isso quando não acontece de algum personagem repetir algo que acabou de acontecer, como se o espectador tivesse memória curta.

Falando neles, outro problema aqui são os diálogos. Além da parte expositiva em excesso, algumas falas parecem frases de efeito baratas, com uns title drops patéticos (a avó da Katara falando do Aang ser “O Último Mestre do Ar™” e a Katara dizendo “só existe uma pessoa capaz de escrever A Lenda de Aang” são impagáveis). Nem todos os diálogos são ruins, mas uma parte deles é fraquinha ou brega.

O maior problema para mim no entanto, foi a falta de impacto dos momentos mais importantes da história. Para começar, o roteiro é tão apressado que eles não deixam nenhum mistério no ar, tudo é imediatamente apresentado e resolvido no mesmo episódio, não existe espaço para deixar a audiência especular ou um mistério para prender sua atenção. Segundo, por conta do ritmo todo atropelado, os momentos icônicos do original viram cópias vazias. Quando o Avatar descobre o corpo de Giatsu, há zero impacto, já que o roteiro apressado colocou o genocídio dos Nômades do Ar logo no começo ao invés de guardar a informação para mais tarde no primeiro episódio. A identidade do Rei da Terra, uma das minhas partes favoritas da versão original, é literalmente jogada no começo do episódio com um flashback medíocre de alguns segundos onde o personagem é apresentado e Aang imediatamente o reconhece. É extremamente frustrante o quão desperdiçado é o potencial dessa série.

Personagens? Que Personagens?

Lembra como em One Piece Live Action os personagens tinham personalidade e não se prendiam somente ao papel deles no enredo? Embora alguns sejam levemente diferentes do mangá original como a Nami e o Zoro, essas foram mudanças que não afetavam a qualidade no geral e no caso da Nami, faz bastante sentido a postura desconfiada dela de início. Não é o que acontece aqui em Avatar.

Quero começar desabafando o quão sem graça o Aang é nessa série. Escolheram um ator legal para o personagem, acertaram na parte visual, mas fazê-lo ser mais centrado no dever do Avatar matou o que me fazia gostar tanto do protagonista. O lado divertido, bobo, altruísta e ingênuo dele deu lugar a um pivete que precisa falar do dever do Avatar em todo episódio após o primeiro, é insuportável.

Katara e Sokka são versões diluídas de suas contra partes animadas. Enquanto a Kiawentiio Tarbell tenta entregar uma performance bacana, o Ian Ousley é inimigo do carisma; ele simplesmente não convence como Sokka e até as tiradas sarcásticas do personagem são extremamente diluídas. Sem falar da controvérsia acerca da descendência indígena do ator, que gerou um certo burburinho mas ficou de lado como tudo na internet.

Bumi e Pakku têm arcos diferentes no live action mas não de forma positiva. O Bumi fica falando que o Aang precisa fazer tudo sozinho (sendo que é ele no original que diz ao Avatar que precisará dos amigos para vencer a Nação do Fogo) e a resolução do arco é tão brega que chega a ser cômica e revoltante ao mesmo tempo. O motivo de Pakku deixar de ser machista não é algo humano como ele vendo em Katara sua antiga amada, que é a avó da garota, mas sim aceitar a ajuda das mulheres na invasão à Tribo da Água do Norte, da forma mais mecânica e artificial possível. Eu fico pasmo com uma série de dezenove anos atrás conseguir escrever feminismo melhor do que uma de 2024.

Vi muitos elogios online para a Azula, mas sinceramente? Não me convenceu nem um pouco. A busca dela pela aprovação do pai sempre foi algo sutil e implícito, mas como o roteiro acha que você é burro, eles tinham que fazer isso ficar mais explícito. A imponência dela é totalmente jogada de lado no live action.

Nem tudo está perdido, porém. O Zuko é um dos poucos personagens que tiveram seu arco bem adaptado para a série, sem falar que o Iroh também ficou bem bacana (o único defeito é colocarem ele para fazer umas narrações clichês em alguns episódios). O ator do Ozai também é ótimo e como não sabemos muito sobre ele no Livro 1, a participação escassa ficou boa. Diferente de Azula, o Ozai do LA passa a imponência que o personagem precisa.

Temas Rasos Como um Rio

Uma das maiores qualidades de A Lenda de Aang é falar de temas sensíveis de forma sutil em uma animação voltada ao público infantil. Sexismo, imperialismo, equilíbrio, espiritualidade, são todos temas que trazem mensagens para alertar o espectador e levam à reflexão. Aqui no live action o foco foi tanto na guerra que, apesar de coerente, a série fala só disso.

A decisão de dar um tom mais sério não é de todo mal, mas parece que a produção ficou com receio do material original ser “infantil demais” e só transformou a série em um produto sem alma que quer a todo custo agradar os fãs e atrair uma nova audiência. Não ajuda que os produtores afirmaram se inspirar em Game of Thrones (???) para esse tom mais sério.

Talvez por culpa da pressa em adaptar todo o conteúdo do Livro 1: Água, os temas mais relevantes de Avatar ficam de lado para dar foco na guerra contra a Nação do Fogo. E quando abordados, não deixam nenhuma impressão (para mim, ao menos). O combate ao machismo é abordado só com o Pakku, como se só ele fosse machista e não um problema real. A espiritualidade do Aang serve apenas para fazer diálogo expositivo e guiá-lo para o próximo destino, além disso, as vidas passadas do garoto insistem na mesma mensagem idiota de “ser o Avatar é fazer tudo sozinho” quando na verdade é o total oposto. O Roku se casou e a Kiyoshi também, cacete!

Adaptar Não é Copiar

Alguns de vocês devem estar pensando que eu queria uma série 1:1 com o desenho. Primeiro, isso seria impossível, a animação original foi feita em uma época onde as emissoras preferiam temporadas maiores com episódios mais curtos, algo que mudou com a greve dos roteiristas de 2008. Logo, eles tinham menos tempo, mas uma quantidade maior de episódios para desenvolver tudo o que queriam. Segundo, a própria Netflix já mostrou que é possível adaptar bem animação para live action, trabalhando com as limitações de atores em carne e osso. Um exemplo disso sem ser OP é Erased, um live action que adapta o mangá de mesmo nome. Os episódios têm cerca de 27 a 30 minutos cada e a história é bem adaptada; obviamente é uma mídia mais fácil de lidar do que One Piece e Avatar, mas é uma prova de que a plataforma consegue quando quer.

Eu não fiquei decepcionado com Avatar: O Último Mestre do Ar porque ele não é igual ao desenho, me decepcionei porque foi uma adaptação que foi fiel somente em visual e não em espírito. Os personagens sem alma, o enredo corrido que subestima a sua inteligência, a incapacidade de instigar o mistério e a forma rasa de abordar os temas da narrativa para mim pesaram muito mais do que a fidelidade. Não adianta ter uma cara bonita se o conteúdo for vazio, não concorda? Eu fiquei com mais vontade de rever o desenho do que empolgado com a segunda temporada dessa coisa.

Conclusão

Olá, caros leitores. Eu estava planejando falar de uma coisa totalmente diferente para voltar a escrever nesse espaço, mas eu sinto que precisava desabafar sobre a minha experiência decepcionante com o live action de Avatar. Como eu disse, não me importo de mudanças em uma adaptação (elas são necessárias), desde que a alma do original esteja ali, de forma diferente. Aconteceu isso com o live action de One Piece, Erased e ouvi falar que o de Ruroni Kenshin é assim também, mas não o citei no texto por nunca ter assistido o anime original ou lido o mangá.

Espero que tenham gostado desse texto. Vejo vocês na próxima (com algo mais positivo, eu espero) e fiquem bem.

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Paladin Allvo

Brasileiro fã de anime, mangá, joguinho e quadrinhos. Escrevo as coisas que penso e/ou vivencio.