God of War Valhalla e a Necessidade de Enfrentar Seus Demônios

Paladin Allvo
7 min readDec 31, 2023

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“Devemos ser melhores do que antes.” Spoilers adiante.

Imagem promocional da DLC God of War Ragnarok Valhalla. Divulgação/Sony.

Rumores sobre uma possível DLC (sigla para downloadable content, “contéudo baixável” caso você não seja do meio dos videogames) rondavam os sites de notícias sobre games e sites dedicados ao PlayStation por algumas semanas. Ninguém sabia se isso ia se concretizar ou não, e caso acontecesse, provavelmente seria anunciado em um evento grande. Em novembro de 2023, tivemos o The Game Awards, a maior premiação dedicada aos jogos eletrônicos (e também a maior propaganda de jogo que sabe-se lá quando vai sair), que trouxe inúmeros anúncios lendários. Dentre eles, uma DLC para o jogo God of War Ragnarok, chamada de Valhalla. A surpresa é que essa DLC seria totalmente de graça, servindo de epílogo para a história principal do jogo. Imaginem o quanto eu surtei com esse anúncio (os amigos Beako e Atari são minhas testemunhas).

Trazendo uma gameplay diferente do jogo principal, a expansão usa o estilo rouguelike onde você basicamente é incentivado a repetir algumas partes várias vezes até obter um avanço significativo. Até então parecia que essa expansão seria mais uma forma de expandir a duração do jogo. No entanto, foi muito mais.

Uma Jornada de Autoconhecimento

Na mitologia nórdica, o Valhalla é um salão divino onde as Valquírias recrutavam os caídos em combate, onde lá se tornariam Einherjar, guerreiros imortais vivendo em fartura até a chegada do Ragnarok e então lutariam por Asgard.

Como o reino de Asgard foi destruído após os eventos de GoW Ragnarok, aqui o local foi retratado de forma totalmente diferente. Valhalla, no universo da série, é uma espécie de salão de treinamento que usa as memórias do desafiante como base, cujo o objetivo é o autoconhecimento e o autocontrole. Até então, apesar de ter o desejo de ser melhor, Kratos tratava seu passado com desdém e vergonha, pois ele desprezava quem era. Na nova fase de sua vida, seu exílio o afugentou de seu antigo eu e suas raízes gregas foram enterradas junto com as Lâminas do Caos.

Freya repreende Kratos por sua primeira visita imprudente a Valhalla.

Ele não abandonou seu orgulho espartano totalmente, visto a forma como ele educa seu filho Atreus/Loki e até voltou a usar as espadas acorrentadas, mas qualquer menção a sua vida nas terras da Lacônia ou de seus atos como Deus da Guerra grego eram inadmissíveis. Para a sua surpresa, Valhalla obriga o espartano a encarar aquilo que ele tanto fugiu, através da batalha. A gameplay aqui casa lindamente com a narrativa, onde a morte não é uma punição, mas sim um aprendizado.

E é aqui que Valhalla começou a brilhar para mim. Eu achei que a nova gameplay não ia me agradar, mas quando percebi, estava jogando um pouco todo dia depois de estudar, intrigado e motivado a seguir em frente. Não só pela história, mas também pelas inúmeras possibilidades que cada run me oferecia. Em algumas tentativas, o Machado Leviatã era a minha melhor arma, enquanto que a Lança Draupnir em outras era a minha maior garantia de vitória, tudo isso enquanto via o antigo Fantasma de Esparta revivendo as suas piores memórias, mas não de um jeito traumático.

Uma coisa que percebi ao longo dos últimos três anos é que muitas pessoas, especialmente os homens, tendem a renegar seu passado. Não somos perfeitos e cometemos erros, e devemos sempre buscar melhorar. Contudo, o passado tende a ser o professor mais impiedoso, pois é justamente um lembrete para evitarmos de cometer os mesmos erros e repetir a história. Viver o presente é sempre o caminho mais sábio a se tomar, porém às vezes, precisamos revisitar o passado para lidar com questões mal resolvidas e feridas ainda abertas. Como alguém que passou por um processo de auto aceitação recentemente e hoje tem orgulho disso, essa mensagem não poderia ressoar mais comigo.

Resignificando o Passado

Sim, a lendária Blade of Olympus voltou em Valhalla e ela é tão poderosa quanto antigamente!

Muita gente torceu o nariz em 2018 com a mudança de mitologia da série e o argumento daqueles que não curtiram o novo formato é a impressão de que o Santa Monica Studio havia renegado totalmente o passado da série na Grécia antiga. Embora uma parte dos fãs antigos tenham abraçado a nova cara da franquia (como eu), muitos se sentiram abandonados por não ser mais a mesma coisa. Porém, precisamos reconhecer que a série precisava se reinventar de alguma maneira e o antigo Kratos só funcionou nos Anos 2000.

Se alguém ainda achava que o estúdio tinha renegado o passado, aqui em Valhalla esse sentimento foi para o Submundo de Hades. A imagem do antigo trono de Kratos logo após matar Ares, a cabeça (irritante pra caralho) do Hélio, os inimigos da Grécia refeitos em HD e claro, a lendária Lâmina do Olimpo poder ser empunhada novamente por nós jogadores são só algumas amostras de como Valhalla homenageia o passado da série. Cada nova referência aos jogos da Grécia é como se fosse um amigo te falando “ei, você lembra disso?” e todo mundo volta no tempo por um breve instante. Essa DLC é uma verdadeira carta de amor para os fãs de longa data e para a história, ela carrega um significado muito belo.

Até então, Kratos via seu passado com bastante desprezo. Ao ser convidado para enfrentar Valhalla, ele reencontra antigos inimigos tão intimidadores que ficaram gravados em sua memória. Enfrentar os antigos males da Grécia antiga aqui significa superar os próprios traumas, e ouso dizer que os desenvolvedores terem trazido os inimigos mais icônicos representa o medo de Kratos de encarar seu passado novamente. Derrotar esse monstros clássicos demonstra que o progresso do espartano o leva a pôr em prática o lema de Valhalla e da própria DLC: “dominar a si mesmo”. Ou como foi dito pelos portões do Templo de Poseidon em God of War: Ghost of Sparta, “conheça a ti mesmo e teu caminho se revelará.”

Enfrentar Seus Demônios

O Kratos nórdico encontra sua versão original, na cena final de Valhalla. Créditos: Vililo

Ao longo da história da DLC, descobrimos que o convite para entrar em Valhalla era de ninguém menos que Tyr, o deus da guerra nórdico que estava preso em Nifilheim (afinal, o Tyr que estava fazendo companhia aos heróis na campanha principal era um impostor, nesse caso, o Odin). Aqui, a divindade nórdica age mais como um mestre para Kratos e o ajuda a reviver alguns de seus atos mais cruéis, contudo, oferecendo um outro ponto de vista. Não se trata de um revisionismo histórico, afinal o peso deles ainda vale, mas o aesir mostra que até sua jura com Ares no fim trouxe algo positivo. É por enfrentar seus demônios que Kratos se permite crescer e aceitar que o passado ficou para trás, pois é no presente onde nós definimos nosso futuro.

Após quatro vitórias contra Tyr — vale dizer que o último encontro é relativamente difícil — o deus exilado abre a porta e vê a si mesmo nos dias da Grécia, gerando um dos diálogos mais emocionantes da série. Ao finalmente entender que seu antigo eu era mais do que um guerreiro sanguinário e hoje ele pode se orgulhar por ser alguém diferente, Kratos finalmente abraça seu legado e se senta no trono de deus, agora vislumbrando um futuro esperançoso. Como recompensa, a antiga armadura da Angústia de Esparta ganha uma versão nova, se tornando o Orgulho de Esparta, e o visual do Kratos original fica disponível para uso, representando a aceitação do personagem e uma baita homenagem aos jogos antigos, mostrando como fazer um bom fanservice.

Essa cena encapsula basicamente a mensagem toda da história: aceite o que você foi, enfrente seus demônios e tenha a consciência de que hoje você é uma pessoa melhor. O passado é um professor cruel, mas ele também te lembra como nós somos melhores hoje em dia.

Ver um personagem anteriormente conhecido por uma fantasia masculina de poder tendo um arco de redenção e maturidade deixou muita gente bravinha por aí, tocando na ferida de muito homem inseguro incapaz de expressar seus sentimentos e perceber que as coisas mudaram. Alguns realmente precisam passar pelo próprio Valhalla.

Conclusão

A skin do Kratos Clássico, liberada após terminar a história em qualquer dificuldade. Foto tirada por mim.

Feliz Ano Novo, pessoas. Esse espaço ficou bastante vazio esse ano porque muita coisa aconteceu em 2023, como o ritmo mais intenso de estudos e o começo de um projeto pessoal muito importante pra mim, mas consegui escrever isso aqui antes do ano acabar. Espero que tenham gostado desse texto curtinho e espero que o ano que se aproxima traga tudo aquilo que vocês almejam.

Vejo vocês na próxima, Feliz Ano Novo e fiquem bem.

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Paladin Allvo

Brasileiro fã de anime, mangá, joguinho e quadrinhos. Escrevo as coisas que penso e/ou vivencio.