Maternidade e Crescimento em Wolf Children

Paladin Allvo
7 min readMay 14, 2020

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Uma coisa que eu noto bastante no meio otaku é que poucas pessoas falam em filmes de anime. Claro que existem óbvias exceções, como o (superestimado) Your Name e os mais recentes filmes de Dragon Ball, que deixou a mania de copiar os vilões da série principal para trás e constantemente expandem a mitologia do universo criado por Akira Toriyama, afinal, foi ele quem escreveu Batalha dos Deuses, Renascimento de F e Dragon Ball Super: Broly.

Além das obras do Ghibli Studio ou do Comix Wave, o estúdio por trás do diretor Makoto Shinkai, não vejo muita repercussão sobre os longa metragens em anime. Geralmente passam batido pelos fãs que ou só assistem filmes das franquias favoritas (como Fate/Stay Night Heaven’s Feel) ou dos estúdios já mencionados. É óbvio que existe gente que comenta dessas produções, mas o mainstream se preocupa mais com qual será o próximo anime genérico adaptado de uma light novel ainda mais genérica ou qual shounen de porrada será o “sucessor” de Naruto do que qual a próxima produção em longa metragem que sairá nos cinemas japoneses.

Wolf Children se encaixa nesse “nicho” — sim, um nicho dentro de outro — . Eu pessoalmente adoro filmes de animação, pois cresci assistindo longas como Atlantis o Reino Perdido, Planeta do Tesouro, Tarzan, Sinbad: A Lenda dos Sete Mares, além dos filmes da Disney, então para mim, animes no formato de longas é mais do que natural.

Falando do filme em si, a história de Wolf Children gira em torno de Hana, uma jovem universitária que conhece um rapaz misterioso — e sem nome — que tem como peculiaridade ser um lobisomem. Os dois se apaixonam e tem dois filhos: Yuki e Ame, que também se transformam em lobos. Depois da morte do pai, Hana se vê obrigada a criar duas crianças lobo sozinha, sem qualquer ajuda.

Uma Breve Análise

Partindo logo pros aspectos técnicos do filme, eu só tenho elogios a fazer. A animação é linda, fluida e mesmo com algumas partes em CGI, é tão bem feita que encaixa perfeitamente, é imperceptível a olhos desatentos.

A narrativa é o ponto alto do filme. Ele te apresenta os personagens e os desenvolve de forma tão natural e progressiva que você sente o crescimento não só biológico como também psicológico das crianças e da mãe. Outra coisa que amei foram as sequências onde não havia diálogos, apenas a linguagem visual. O final também é fechado e encerra bem a história.

Outro ponto de destaque é a excelente trilha sonora que o filme traz. Nas sequências sem diálogo, a música é fundamental para nos passar a sensação correta que aquela cena precisa. Não só nesses momentos, a trilha inteira do filme é impecável.

Agora que já fizemos essa breve análise, vamos partir para aqueles que, para mim, são os temas do filme: Maternidade e Crescimento e são esses dois tópicos que fazem Wolf Children ser maravilhoso. Porém, vou precisar entrar em spoilers a partir daqui, então se você não assistiu ainda, vai assistir!

Maternidade

O que me atraiu muito a assistir esse filme é justamente o fato da Hana, a protagonista, não viver em um mar de flores. Ela é uma mãe solteira, o marido morreu, as crianças são lobos e não há absolutamente ninguém para dar-lhe um auxílio. Hana é uma mulher que vive em uma sociedade extremamente tradicional, a japonesa, e apesar dessa não ser uma questão abordada em Wolf Children, imagine-se no lugar dela: os desaforos que os homens devem dizer, as mulheres da cidade a olhando diferente por “não ter um marido”.

Apesar de toda a dificuldade, Hana se vira em três para criar seus filhos e dar a eles o melhor possível. Afinal, é ela que trata deles quando adoecem, os alimenta quando têm fome, os consola na tristeza. Pode se dizer que parte disso também é culpa do pai, que se expôs desnecessariamente e acabou morto. Ok, ele saiu para caçar, mas ainda assim, o cara deixou só uma pequena economia para três pessoas e ainda arriscou sua vida de modo irresponsável. É uma questão que fica em aberto ao espectador, se o Homem Lobo foi ou não inconsequente nesse quesito.

Uma coisa legal de se perceber é o fato de Hana ter feito a mudança para o interior com a intenção de ficar isolada, assim ninguém descobriria o segredo de seus filhos, mas os vizinhos começam a ajudá-la com a plantação, criando assim laços com ela. Esse tipo de contraste é trabalhado o filme todo, falo mais disso no próximo tópico.

Mesmo perante tantos desafios, Hana se mostra uma grande mãe e um exemplo de mulher forte. Afinal, aguentar o que ela aguenta não é para qualquer um, isso é fato. O longa também nos mostra como uma mãe pode cuidar dos filhos mesmo sem a presença de um pai; aliás, podemos até dizer que a morte do pai de Yuki e Ame é uma enorme metáfora para a figura do pai ausente, nesse caso, porém, não houve um abandono, mas sim a ausência causada pelo falecimento. Mesmo hoje, pais ou mães solteiras ainda são vistos com maus olhos, porque na concepção machista da sociedade ocidental, se a mulher está sozinha é porque “não soube segurar o marido em casa” e se o homem está criando os filhos sozinho, é porque “ele deve ser péssimo como pessoa”.

Criar e educar crianças é uma tarefa mais árdua do que aparenta. Nós, enquanto filhos, não conseguimos entender como nossos pais nos criam/criaram e não perderam a cabeça no processo, afinal, aquele sujeito pode ser uma réplica sua, mas é dotado de personalidade e identidade próprios, muitas vezes diferente das de seus progenitores. Imagina então passar por tudo isso sem a outra pessoa, com meio mundo te julgando? Porque apontar o dedo é sempre mais fácil do que ter a empatia de colocar-se no lugar do outro.

Crescimento

É nesse aspecto que Wolf Children brilha. Vemos o nascimento e desenvolvimento de Yuki e Ame, além da própria Hana, no decorrer das quase duas horas de filme e nós entendemos como são aquelas crianças, suas personalidades e seus desejos.

Yuki começa a história como uma menina muito, mas muito energética, elétrica e até impulsiva. Ela adora ser uma menina lobo, vive transformando-se e é um espírito livre, vale por duas crianças e vive dando trabalho para a mãe, por conta da sua natureza.

Já o Ame é um menino muito calmo e tranquilo — eu diria até sereno — que não gosta de ser um lobo, pois nos livros que lê, o lobo é sempre o vilão. Chora com bastante frequência e tem medo de tudo, dá muito menos dor de cabeça para Hana e é muito apegado à sua mãe.

Agora é que as coisas ficam interessantes: ao longo do crescimento dos irmãos, os papéis invertem totalmente: Yuki não quer mais ser uma loba porque a convivência na escola a fez “se adequar” à vida humana com medo de ficar sozinha. Ame por outro lado não consegue se adequar à escola e passa a abraçar sua natureza lupina, tendo inclusive um “professor”, um lobo selvagem, para ensiná-lo a ser uma criatura da floresta.

Yuki, ao longo de seus anos escolares, percebeu que era diferente das outras crianças (inclusive a própria nos fala isso, por ser a narradora da história), então aos poucos teve que se adaptar ao mundo humano. Isso fez a sua personalidade impulsiva ser convertida em uma persona mais calma e controlada. Após machucar um colega de classe ao transformar-se por impulso, a própria menina decidiu ser humana e seguiu o caminho padrão de qualquer pessoa, ou seja, estudar e sair de casa vivendo uma vida civil comum.

Ame, no início, renega seu lado lobo, diferente da sua irmã. Porém, isso muda quando em um dia de neve, ele consegue pegar um pássaro e acaba tropeçando no lago frio. Apesar da quase morte, Ame não sentiu medo, diferente das outras vezes em que se transformou. No fim, o garoto decidiu ser um lobo e para os padrões da espécie, ele já é um adulto e segue seu próprio caminho, mesmo sozinho.

O mais irônico é que, bem no início do filme, Hana pergunta aos filhos pequenos “o que vocês querem ser, humanos ou lobos?”, à primeira vista, parece bem evidente qual o destino de ambos, mas a narrativa não deixa o óbvio acontecer. Outra coisa que podemos notar é o fato de mesmo sendo lobos, o crescimento de Yuki e Ame pode ser aplicado a qualquer pessoa. Um dia os filhos trilham seus próprios caminhos, seja ele qual for, é o processo natural da vida e aqui o diretor da animação, Mamoru Hosoda, acertou mais uma vez ao nos apresentar algo tão doloroso da forma mais sutil e metafórica possível. O rapaz geralmente se distancia do “ninho” e caminha de forma independente, enquanto a menina tende a criar raízes com o lar original.

Aliás, esse “distanciamento” do Ame é trabalhado gradualmente no enredo, com ele faltando às aulas e passando mais tempo na forma de lobo; no final, o menino acaba seguindo um rumo similar ao de seu pai, tornando-se literalmente um lobo solitário. A Yuki menos selvagem e mais humana também é mostrada ao longo da história e vemos como o simples convívio com outras pessoas moldou o resto de seu comportamento, alterando não só sua personalidade, como também os hábitos e gostos. Não vemos a personagem em sua forma lupina por um bom tempo após a infância, somente em momentos cruciais.

Considerações Finais

Wolf Children é uma obra de arte, sem nenhum exagero ou babação de ovo. A animação linda, a narrativa extremamente bem escrita e o desenvolvimento dos personagens já tornam este longa uma recomendação instantânea. Se você quer assistir um anime de qualidade mas não tem tempo ou paciência para séries, este filme é uma ótima opção. É possível ver Wolf Children na Netflix — inclusive foi por lá que assisti — então além de estar apreciando um ótimo anime, você também está dando se apoio por um meio oficial de distribuição.

Espero que você tenha gostado. Até a próxima!

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Written by Paladin Allvo

Brasileiro fã de anime, mangá, joguinho e quadrinhos. Escrevo as coisas que penso e/ou vivencio.

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