O Que As Pessoas Entendem Errado Sobre o Batman

Paladin Allvo
10 min readMar 15, 2022

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Muito se fala sobre o Batman, mas pouco se entende sobre quem ele realmente é.

Recentemente eu assisti ao The Batman, filme de 2022 estrelado pelo Robert Pattinson. Eu estava com as expectativas lá embaixo porque na minha mente ia ser mais um filme de herói mediano da Warner/DC. Eu não podia estar mais errado. O filme é muito mais uma história de investigação criminal sobre um serial killer insano com os toque heroicos de um super herói como o Batman. É um enredo bem amarrado, com ótimos personagens e uma estética f*da.

Isso me fez pensar em sobre como as pessoas veem o Batman de forma tão idealizada que chega a ser uma versão que nem existe direito. Se você frequenta a internet há um tempo, sabe que a fama dos fãs radicais do Morcego não é lá muito boa, sempre aparecendo pra encher a paciência de todo mundo e nessa insistência em reduzir todo o Universo DC a ele. E é exatamente isso que me inspirou a escrever este texto, para debater algumas ideias mal interpretadas — alimentadas às vezes pela própria editora, às vezes pelos fãs— do personagem.

“O Batman é um Cavaleiro Solitário que Sempre Age Sozinho”

Essa galera toda é só o núcleo de aliados de Gotham, imagina a Liga da Justiça.

Muita gente criou a ideia do Morcegão trabalhar sozinho e não foi a toa. Tanto a série animada quanto os filmes mostram isso, mas nem nessas mídias isso é verdade. Alfred não é só um mordomo que serve chá e fica por isso mesmo, mas sim a pessoa que se tornou a referência de família para Bruce, desde o trágico dia em que seus pais morreram. Além disso, Dick Grayson, apesar de ter saído de Gotham para liderar os Jovens Titãs e ter se tornado o Asa Noturna, é praticamente um filho adotivo para Wayne, pois Batman se viu no garoto por ele também ter perdido os pais em um evento trágico. Além do mais, o Robin foi criado não só para dar uma companhia ao Morcegão, como também para que as crianças pudessem se identificar com as histórias do Batman (infelizmente isso levou a série de suposições de Bruce e Dick terem um relacionamento sexual praticamente incestuoso). Isso sem contar com o Comissário Gordon, a única pessoa na polícia de Gotham City que confia no herói mascarado. Afinal, sem Gordon, não teria nem Batman para início de conversa, já que é o policial quem fornece os detalhes de crimes que a GPD não conseguir resolver sozinha (bem como foi ideia dele a criação do Bat Sinal).

Nos últimos anos surgiu nos quadrinhos o conceito da Bat Família, um conjunto de heróis ligados ao Batman que auxiliam no combate ao crime. O já mencionado Asa Noturna, Capuz Vermelho, Batgirl, a nova BatWoman, são alguns integrantes dela. Não só isso expande os heróis de Gotham de forma positiva, como também dão um conforto a Bruce Wayne. Eles não são chamados de família por nada. E muito antes disso, o Batman é um dos membros fundadores da Liga da Justiça, junto com Mulher Maravilha e Superman! Não só o Morcego é um dos principais líderes da Liga, como ele também tem uma dinâmica excelente com Clark Kent, o Homem de Aço. Não é a toa que existem diversas histórias onde os dois ou se enfrentam ou são uma excelente dupla. Em certas ocasiões, já rolou até romance entre Diana e Bruce.

De qualquer forma, essa ideia do Batman estar sempre agindo sozinho não é mentira, mas não é completamente verdade. Além da Liga da Justiça e da Bat Família, Bruce já esteve em mais de um grupo da editora como Os Renegados e a Batman Incorporated. Ninguém nunca faz nada sozinho, e com o Batman não é diferente.

“O Batman é Um Anti Herói”

Batman no traço do polêmico Frank Miller. De todas as versões do Batman, a abordagem de “O Cavaleiro das Trevas” é a que mais se aproxima da de um anti-herói.

Ninguém diz isso abertamente, mas essa “versão idealizada” do Batman faz o personagem parecer um anti-herói. De fato, a atmosfera sombria e atitude fria do Homem Morcego fazem ele parecer um, mas vamos deixar uma coisa bem clara: o Batman parece, mas não é um anti-herói.

É inegável que no começo de sua história, o Homem Morcego era bem diferente da versão atual. Por ser um reflexo do período da Lei Seca (1920–1933), onde a criminalidade era alta e haviam máfias por todos os cantos, o Bruce Wayne dos primórdios usava armas de fogo e até deixava bandidos para morrer sem qualquer remorso. Com o passar dos anos — e também talvez graças ao Comics Code Authority que visava deixar as histórias menos violentas por elas “influenciarem” as crianças americanas — o herói passou a ter a famosa política de não matar e aplicar a justiça com métodos menos…extremos.

A concepção de herói e anti herói vem não só dos quadrinhos, mas também de fontes mais antigas, sejam elas os contos da Mitologia Greco-Romana ou A Jornada do Herói, livro de Joseph Campbell. O herói clássico é aquele que luta por ideais e causas nobres, e em uma perspectiva mais maniqueísta, é um personagem ausente de falhas, pois seus atos o enobrecem. O anti-herói, por outro lado, age pelos seus próprios interesses e suas ações podem ou não resultar em resultados benéficos, porém nunca é a intenção inicial. Exemplos de anti-heróis dos quadrinhos não faltam como Deadpool, Justiceiro, Lobo (DC) e Wolverine. Mas o Batman, apesar de ter essa atmosfera sombria que beira ao gótico, não age apenas por interesse próprio. Óbvio, a morte de seus pais deixou Bruce completamente instável—adoro fazer a piada do Batman ser “um maluco que sai de noite vestido de morcego pra bater em bandido”—mas no fundo não se trata de vingança. O Morcego luta para evitar que outros sofram o que ele sofreu, explicando talvez o porquê dele ter simpatizado com Dick Grayson quando este perdeu seus pais. Afinal, nem mesmo o filantropo herdeiro dos Wayne deixa de ser um humano, que sente empatia.

O problema é quando histórias como “O Cavaleiro das Trevas” retratam o personagem com aquele ar de superioridade desnecessária, dando ênfase ao “Bátima Fodão” que eu tanto detesto. Embora essa HQ em especial tenha sido histórica e trouxe muito do Batman como o conhecemos hoje, ela é ovacionada até demais, quando existem outras histórias tão boas quanto (recomendo A Piada Mortal e Batman: Ano Um).

“O Batman Vence Qualquer Um, Desde Que Ele Tenha Preparo”

Uma das coisas que mais se destacou nos últimos tempos é a capacidade de preparo do Batman. Estudar o inimigo, analisar suas fraquezas e achar a forma mais eficiente de detê-lo é uma habilidade impressionante do Homem Morcego. Mas como tudo nesse vida, esse elemento virou uma benção e uma maldição.

Pergunte a qualquer fanático pelo Cavaleiro das Trevas e a primeira coisa que ele/ela vai dizer é “O Batman vence qualquer um, já que ele tem preparo”. Isso virou uma coisa tão bizarra que personagem praticamente ganhou um super poder de forma não oficial. Isso se deve provavelmente por conta de algumas histórias recentes onde o Morcegão criou armaduras específicas para cada situação, e também ao famoso áudio onde o cara cria uma maneira de derrotar toda a Liga da Justiça em caso de uma crise. O que essa galera não parou para pensar é que o Batman pode ser um cara extremamente inteligente e sagaz, mas ele ainda é humano. É praticamente impossível se preparar para tudo, e nem o Bruce escapa disso.

Um exemplo disso é uma história de crossover onde o Batman enfrenta ninguém menos que o Predador, aquele alien assassino dos filmes. Na história em si, quando dois integrantes importantes da máfia são esquartejados por um assassino misterioso—o próprio Predador— chamam o Homem Morcego para o caso. E advinha só? Em seu primeiro encontro com a criatura, Batman leva a maior surra de sua vida, e quase morre no processo.

Somente depois de quase morrer é que Bruce consegue se preparar melhor, criando um traje de metal com algumas funcionalidades que simulam os poderes do Predador. No final, Batman sai vitorioso, mas só depois de uma luta mortal. Ou seja, se até o Melhor Detetive do Mundo passa por dificuldades, isso significa que até o preparo do Morcegão tem limites. Além disso, no caso da Liga, ele conhece aqueles heróis há anos, então faz sentido um dossiê contendo formas de derrotá-los caso algo dê errado. Essa habilidade de preparo do Batman é tão exaltada que ela já foi tema de um vídeo anos atrás do canal Ei Nerd onde ele enfrenta o Goku (?) e vence por ter preparo (?????).

Eu não sei o que é mais bizarro: a luta em si, as 1 milhão e meio de visualizações ou esse vídeo ser de SEIS ANOS ATRÁS.

A Supervalorização do Sombrio

Opinião Impopular: esses Batmen do mal seriam muito mais interessantes se fossem contrapartes malignas de cada membro da Liga. Por mim mantém o Batman que Ri e tira todo o resto, porque um grupo de morcegos do mal é um exagero.

Desde a ascensão meteórica do Marvel Studios no cinema, alguns fãs mais extremos dos quadrinhos possuem as mesmas reclamações: o MCU é infantil demais, as histórias não têm profundidade e as versões de cinema deveriam ser mais “adultas e sombrias”. E de fato, os filmes de herói da Marvel acabaram se tornando esse programa mais família que, goste você ou não, se mostrou uma fórmula extremamente lucrativa. Na tentativa de ir na contramão da indústria, a Warner apostou suas fichas em Zack Snyder para criar o seu próprio universo, com uma visão sombria e realista que os chatos, perdão, fãs mais queiram. E o resultado não poderia ter sido pior: Homem de Aço é um filme morno, Batman vs Superman é uma piada de mal gosto e só o Snyder Cut fez algum sucesso. Desde então, criou-se no meio nerd essa noção besta de sombrio ser sinônimo de maturidade, o que na verdade não poderia estar mais equivocada. Isso não quer dizer que atmosferas sombrias não funcionem (o próprio The Batman, Berserk, Dark Souls funcionam muito bem por causa delas), mas é imaturidade dizer que para uma história ser adulta, ela precisa ser regada a tons de cinza e lotada com cenas de sexo e violência.

Dito isso, é de fato um pouco incômodo o excesso de foco dado pela DC Comics em cima do Batman. Dois novos vilões, um grupo de versões malignas do herói vindas de um multiverso das trevas e armaduras especiais mostram o quão empenhada a editora está em lucrar em cima do Morcegão. Afinal, se é popular, vende.

O que me entristece porém é que heróis fora dessa estética sombria às vezes acabam sendo subestimados pela maioria das pessoas. O Superman é tratado como um personagem “poderoso demais” para ser gostável, quando na realidade, não só o kriptoniano tem diversas fraquezas—Sol Vermelho, kriptonita e magia, só citando as mais famosas—como o principal ponto do personagem se perde: um homem com poderes para destruir o nosso mundo, escolheu protegê-lo, não naquela baboseira religiosa do Snyder, mas sim de forma heroica. O Super não é um símbolo de esperança porque alguém disse que ele é, Clark se tornou esse símbolo, através da confiança e honestidade.

Mas ao invés de valorizarmos as várias formas de justiça de outros personagens, o que uma parcela do público quer é que todo mundo seja o Batman, quando na verdade o que torna os heróis da DC tão interessantes é a pluralidade de temas. Você tem desde um humano comum agindo como vigilante noturno a uma força cósmica protetora do universo que concede anéis de poder ligados à força de vontade de um indivíduo. Porém, há uma parte dessa fanbase que possui uma fixação anormal por coisas sombrias, mostrando uma necessidade patética de auto afirmação e um medo besta de ter seus gostos julgados como “coisa de criança”.

Existem outras visões na vida além do “sombrio e realista”. Deixe as coisas sombrias serem sombrias, e aquelas que não são do jeito que são. Essa baboseira de “os vilões são melhores que os heróis” ou “personagens do bem não são relacionáveis” é o típico discurso de adolescente revoltadinho que não soube amadurecer.

Concluindo

Espero que você tenha gostado do texto e se chegou até aqui, eu agradeço. Junto do Superman, o Batman é um dos meus heróis favoritos desde a infância, seja pela galeria de vilões ou pelo próprio personagem ter uma estética bacana. Apesar disso, por ter o Super como meu favorito, sempre pendi mais pros “caras da luz”, coisa que acabou influenciando nos meus gostos quando se fala em fantasia (acho que o meu username ter “Paladin” no meio já entrega bastante coisa). Eu realmente gosto do Batman, mas me irrita profundamente essa super valorização do personagem tanto pela editora quanto pelos fãs, como se só tivesse ele na DC Comics. Por sorte, a editora tem uma gama de personagens interessantíssimos e eu espero que no futuro hajam adaptações que façam justiça a eles.

Vejo vocês na próxima! E fiquem bem.

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Paladin Allvo

Brasileiro fã de anime, mangá, joguinho e quadrinhos. Escrevo as coisas que penso e/ou vivencio.