Quando a Discussão Sobre Design é Idiota: A “Polêmica” dos Redesigns de Genshin Impact
Desde a popularização das audiências que jogam videogames, diversas discussões surgiram. Isso se deve porque, desde a sétima geração de consoles, o público alvo dos jogos eletrônicos saiu do nicho e abraçou ainda mais pessoas de diferentes grupos. Hoje em dia, videogame é uma entretenimento que pode ser apreciado por jovens, adultos, homens, mulheres, brancos, negros e outros.
É nesse cenário que Genshin Impact foi lançado. A diferença é que Genshin Impact quebrou o nicho dos fãs de anime e mangá (o estilo de arte do jogo não é a toa, uma vez que o slogan da empresa miHoYo é “Tech Otakus Save The World”) e cativou uma audiência muito maior que os jogadores de jogos gacha, aqueles onde você roda um número x de vezes e obtém itens ou personagens de forma aleatória. Genshin explodiu no lançamento e possui uma fanbase fiel daqueles que permaneceram.
Infelizmente, não é dessas coisas positivas que vim falar hoje. Nos últimos dias surgiu uma série de postagens naquele famoso site chamado Twitter “consertando” os designs de personagens femininas alegando temas clássicos como machismo e sexualização. E eu já estou farto dessa discussão.
O Que Faz Um Bom Character Design?
Quando você pensa em personagens de jogos marcantes, o que vem a sua mente primeiro? Provavelmente alguma característica visual. Todo mundo lembra do Mario por ser um encanador baixinho que usa vermelho, do Sonic ser azul, do Kratos ter uma tatuagem enorme em metade do corpo. Um bom character design é aquele tão único e chamativo que fica na sua memória e te remete imediatamente àquele personagem.
Em Genshin Impact, o design de um personagem não só precisa ser de acordo com a história dele/dela, mas também algo chamativo. Em jogos de gacha, é mais do que essencial o jogador gostar do personagem e por isso, rodar nele. Porém, mais do que só uns personagens com cara bonitinha, a miHoYo fez designs repletos de detalhes e pequenas nuances que pesquisando você percebe que a pessoa por trás das artes se deu ao trabalho de utilizar referências da cultura chinesa e até de outras culturas para compor o design.
Para um jogo que vende seus personagens como principal atrativo, Genshin Impact trabalha muito bem nesse aspecto, porque além de chamativo, é uma linha de arte muito bonita e colorida, onde você acha um detalhe novo a cada vez que olha. Fica claro que a desenvolvedora chinesa foi influenciada diretamente por animes, já que boa parte dos personagens jogáveis têm visuais bem construídos e belos de se olhar (ou como eu gosto de dizer, “que dariam um belo action figure”).
Mas aí tudo mudou, quando a nação do Twitter atacou.
A Baboseira de “Corrigir Arte” e o Desrespeito À Visão Artística Alheia
Uma das coisas que eu mais ODEIO é o conceito arrogante que se criou de “corrigir” arte dos outros. Alguns desenhistas do Twitter tem a mania ridícula de chegar no trabalho dos outros, alterar algum detalhe e postar dizendo que consertou, quando na verdade o que acontece é a imposição da pessoa à arte da outra. Os SEUS gostos, as SUAS preferências não são uma verdade absoluta, e muito menos você deve se limitar achando que só o seu conhecimento e o seu padrão são as únicas coisas válidas. A arte não pertence a ninguém, não é obrigada a seguir padrões estéticos e muito menos deve seguir alguma cartilha para ser considerada “boa”. Parafraseando a Fran Briggs do canal Eu Não Platino, “a arte pode ser o que ela quiser”. Claro, você não vai pegar isso e fazer obras que promovam temas como racismo e homofobia de forma positiva, porém ao mesmo tempo em que filmes “cabeça” surgem, uma obra despretensiosa e que te divirta também é válida.
O que essa mania de “consertar arte alheia” faz é justamente desrespeitar a visão artística do outro e adequar a arte à daquele que faz o tal do conserto. Mas não existe nada para consertar, nunca houve! É tão difícil entender que o mundo não gira ao redor de ninguém e que toda artista tem visões diferentes da sua? Para a internet, sim, é muito difícil aceitar que nem sempre a sua opinião importa. Este texto mesmo, é só mais uma opinião da internet, se serve para alguém, ótimo, se não servir, ótimo também. Eu não vou chegar aqui e falar que o meu trabalho — que é feito puramente por hobby e é uma forma de me expressar de forma mais detalhada — é melhor que o de fulano porque eu acho isso e aquilo. Nós enquanto artistas estamos sempre dispostos a evoluir, e é essencial sabermos quando alguém quer te aconselhar ou só quer te prejudicar para se provar melhor.
Pessoas são diferentes umas das outras. Cada ser humano tem visões únicas e experiências que moldam sua visão artística. Valores culturais, vivências, e principalmente as influências artísticas daquele indivíduo servem como base para a construção de toda a base de sua própria arte. Um exemplo besta, porém eficiente: se alguém leu e gosta muito das histórias do Batman e outros heróis mais “dark”, ele vai querer fazer obras baseadas nesse estilo mais sombrio por puro gosto pessoal. E tá tudo bem. A mesma liberdade que essa pessoa tem de fazer coisas mais sombrias, eu tenho de discordar e não gostar, mas jamais irei impor o que eu acho certo para outros artistas.
Sem falar que toda essa situação gera um elitismo estúpido que visa nada mais do que padronizar e elitizar toda forma de arte. Não se trata de um elitismo de forma erudita, mas sim na concepção única de que “apenas as minha visões e a minha opinião importam e todos ao meu redor estão errados”, limitando o debate e transformando algo que poderia ser saudável em uma disputa de egos patética e ridícula. A grande graça da arte é justamente como pessoas diferentes abordam uma mesma temática, tornando assim a produção artística diversificada e única para cada obra. Padronizar isso não só tira todo o propósito da arte, como também cria-se a ilusão de que existem regras na criação dela. Arte serve justamente para quebrar paradigmas e te fazer enxergar além,ou não, talvez a pessoa só quis fazer uma ideia virar realidade por mais simples que seja, e foi lá e fez porque quis.
A Sexualização Existe, Mas Não É Regra
O tópico da sexualização e a má representatividade das personagens femininas nas mídias de ficção é um debate extremamente válido e amplo, por conta dos vários movimentos sociais que surgiram nos últimos anos. Tornou-se cada vez mais frequente e comum a discussão sobre como abordar adequadamente os novos públicos que surgiram, e é importante sim que haja essa discussão. A maior prova disso foi Pantera Negra, que além da excelente história sobre legado e combate ao racismo (dado o histórico do vilão Killmonger), contou com um elenco majoritariamente negro, além de exaltar a cultura africana, apesar de Wakanda ser uma nação fictícia.
Em jogos de gacha, é bem comum que o design de uma personagem feminina apele a algum tipo de arquétipo porque a maioria desses jogos acaba tendo o público masculino como majoritário. Contudo, na maioria dos casos, muitas dessas personagens se prendem somente ao que chamamos de waifu material, ou seja, ela tem toda a personalidade e design voltados unicamente a atender aos gostos de uma parcela ou de grande parte dos jogadores, sem nunca existir um motivo plausível para que uma personagem usa um tipo determinado de roupa ou aja de uma forma específica além de “porque sim”.
E é exatamente nesse ponto que Genshin Impact acerta. Para começar, as personagens femininas do jogo tem história e motivações diferentes, elas não se prendem única e exclusivamente aos seus arquétipos. Um dos melhores exemplos é a Jean, uma mulher extremamente respeitada em Mondstadt, sendo cogitada como a próxima Grã-Mestre, a maior honraria de uma Ordem de Cavaleiros. Amber, uma das primeiras personagens que conhecemos, é alegre e divertida, além de uma entusiasta de vôo, já que é ela quem te dá o planador e por isso usa óculos de aviação na cabeça. Você consegue diferenciar a personalidade de cada personagem feminina, e seus designs refletem sua história e personalidade. Rosaria, também de Mondstadt, usa roupas nada ortodoxas, pois ela apesar de ser uma freira, não segue os padrões da igreja local. Nigguang, de Liyue, é uma mulher muito poderosa e influente, e seu design remete a uma aristocrata da China Antiga. Fischl é fissurada em histórias de fantasia e na cabeça dela, é aquela a forma que uma princesa se vestiria.
E é nessa questão que eu fico perplexo: se as mulheres têm liberdade de serem o que quiserem, porque as personagens de Genshin Impact (que, de novo, são em sua maioria bem desenvolvidas e seus designs correspondem às suas motivações e história) são condenadas por usarem uma vestimenta que, no fim do dia, são apenas uma peça de roupa? Não vou negar que existem sim personagens femininas com roupas mínimas que servem só para agradar as fantasias de um público masculino, mas nenhuma personagem desse jogo segue essa linha criativa. Até a Mona, uma personagem que eu particularmente não gosto do design, não é tratada como um objeto sexual. As crianças Klee, Diona e Qiqi não são alvo de sexualização por parte do jogo e as permitem serem o que são: crianças, não cota de loli pra agradar jogador. E também é besteira querer encher de roupas personagens que nem são tão despidas. Genshin Impact pode ter personagens que usam meia calça, mas não estaríamos apenas julgando-as por uma roupa, e ignorando toda a história destas personagens? Saiu até um estudo, feito por pesquisadoras mulheres, que a sexualização nos games diminuiu bastante dos Anos 90 para cá.
O pior é querer discutir pautas sérias e reais com questões banais. Não, uma personagem usar shorts não é um sinal de machismo na sociedade, machismo é privar a mulher de seus direitos, julgá-la por suas roupas, discriminar e subestimar suas capacidades pelo seu gênero. Misoginia não é uma personagem ter uma roupa ou personalidade mais ousadas, mas sim agredir e até matar uma mulher apenas por isso: ser mulher. É o medo que elas sentem de andar sozinhas na rua por receio de sofrerem alguma violência grave, de não conseguirem um emprego porque o chefe não quer contratar uma mulher por ela “dar custos muito altos”.
E engana-se quem acha que designs mais ousados são criados apenas por homens, há mulheres artistas que também gostam de desenhar personagens mais sensuais, porque no fim do dia, é tudo questão de gosto. Assim como qualquer outra pessoa, mulheres são diferentes umas das outras e ao final das contas, tudo não passa de falso moralismo, em que a pessoa se acha no direito de ser superior a outra e cisma em falar pelos outros, quando as pessoas que participam de movimentos sociais legítimos possuem voz ativa. Ninguém precisa de um Paladino da Justiça que fale pelos fracos e oprimidos, pois estas pessoas podem expressar suas ideias sem um intermediário. Eu mesmo jamais me colocaria no lugar de fala no qual não pertenço, mas isso não quer dizer que devo não discutir tais tópicos, por eles se tratarem de algo que atinge a sociedade como um todo. A inércia só contribui para que pautas importantes como direitos de uma determinada parcela da sociedade continuem apenas no papel. No fim, são coisas que todos nós devemos dar importância e validar, quando feitas de forma séria.
A mensagem que fica é: não tem motivo para reclamar das personagens de Genshin Impact. Se considerarmos outros jogos de gacha por aí, existem designs ainda piores se tratando dos visuais femininos e boa parte das mulheres neste game são bem desenvolvidas e estabelecidas. Seus visuais são bonitos, têm a ver com a personalidade e história e muitas delas não ficam atrás de nenhum homem em importância e poder. Pareço um disco arranhado repetindo a mesma coisa, porém só assim para deixar claro, pois é assim que a internet funciona.
Considerações Finais
Eu inicialmente não ia fazer esse texto, mas fiquei de tanto saco cheio dessa discussão vazia e besta acerca do Genshin Impact que senti que era necessária. Não sou a pessoa mais adequada para falar por ninguém, afinal eu sou um rapaz cis, porém, espero que eu tenha deixado claro meu ponto de vista neste texto.
Espero ver vocês na próxima! E fiquem bem.