Star Wars é Uma Tragédia — E a Culpa Não É Só do Episódio IX

Paladin Allvo
10 min readApr 6, 2020

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Sim, eu fiz esse meme e não me arrependo nem um pouco.

Eu juro que queria falar bem da “épica conclusão” da saga espacial Star Wars, mas não. Nada pode resumir melhor que o Episódio IX do que um desastre completo, uma bagunça forçada e cheio de furos de enredo. Teve momentos em que eu me sentia idiota com um roteiro tão besta e mal feito. Já sentia desde os trailers que algo estava errado, mas fui para o filme com certa expectativa negativa — e a produção conseguiu me surpreender sendo PIOR do que o esperado. Uau.

Mas tá. Todos vocês já sabem o quão ruim é esse filme. O que eu tenho a acrescentar além de tudo já dito até o momento? Bem, sendo sincero, A Ascensão Skywalker é só o resultado de uma franquia cinematográfica cuja organização é uma bagunça. E todo o desastre veio bem antes do final terrível das aventuras de Rey “Skywalker” (essa com certeza é uma das piores cenas finais da história). Esse texto ia ter muito desprezo e fúria, entretanto essas emoções levam ao Lado Sombrio e dele eu não faço parte.

Episódio I: A Ameaça do Sucesso

Fale o que você quiser da franquia SW, é fato que a primeira trilogia foi um divisor de águas na história do cinema. Foi o momento em que a indústria permitiu-se ir ainda mais além da fronteira do comum, criando uma mitologia rica e própria no formato de longa metragem. Mas as produções cinematográficas após O Retorno de Jedi começaram a apresentar problemas e que não são poucos.

Star Wars expandia seu universo em quadrinhos, livros, jogos, animações, etc. Muito do que foi criado no Universo Expandido é adorado pelos fãs até hoje e algumas ideias e conceitos foram aproveitados na terceira trilogia (muito mal e porcamente, mas foram) e era inegável que a Guerra Nas Estrelas tinha se tornado algo muito maior do que só os filmes, era literalmente um novo universo e novas possibilidades. Contudo, não bastava. Todo mundo que cresceu com ou viu a estreia dos primeiros três filmes queria uma sequência, qualquer coisa, pois o UE é legal, porém a grande maioria do público acompanha os longas mesmo.

Star Wars manteve seu hiato até que em 1999, George Lucas, a mente por trás da primeira trilogia anunciou o retorno da épica saga dos Jedi e Sith com o Episódio I e a comoção foi geral, afinal, uma lenda da indústria voltava aos holofotes e uma nova história surgia. Parecia que a saga estelar dava seu primeiro passo para um capítulo totalmente diferente. Não tinha como não ficar animado com A Ameaça Fantasma!

E foi a partir daí que tudo começou a dar errado.

Episódio II: O Ataque do Ego de George Lucas

É percetível para quem assistiu a segunda trilogia que muito do que foi feito ali foi o chamado retcon. Retcon (sigla em inglês para “retroactive continuity”, continuidade retroativa) é um recurso usado pelos escritores — em especial os de quadrinhos — para alterar conceitos estabelecidos anteriormente. Seja para tentar tampar furos de enredo ou continuidade, o fato é: ninguém, absolutamente ninguém gosta de retcon. E foi EXATAMENTE o que George Lucas fez. A Força perdeu sua natureza mística para dar lugar a uma baboseira de midichlorians e quem tem mais midichlorian é mais sensível à Força. Os Jedi ao invés de serem cavaleiros honrados, passaram a agir como seres super poderosos e eu diria também arrogantes, pois o Conselho Jedi não passa de uma elite formada por monges que se acham acima de tudo e todos. Agora os filmes originais ganharam números e passaram a se chamar de “episódios”, só para confundir ainda mais quem não conhece nada da franquia.

Além desse retcon, tem outras coisas que não conversam entre a primeira e segunda fases de Star Wars. A tecnologia e estética diferem tanto da trilogia original que a primeira parece um downgrade e a tendência é a tecnologia evoluir, não retroceder. Os confrontos estelares foram trocados por disputas políticas extremamente sem graça que ninguém liga, tirando toda a atmosfera de conflito armado dos três primeiros filmes. E por fim, o arco do Anakin Skywalker até faz sim certo sentido, mas ele é acompanhado por um primeiro filme “estrelado” por uma versão jovem e sem carisma do personagem e um romance forçadíssimo no segundo. Junte isso com o CGI besta e o Jar Jar Binks e você tem o resultado perfeito de um diretor cegado pelo próprio ego incapaz de enxergar os próprios erros.

A pior parte disso tudo é que fica bem claro que aquela era a vertente que o George Lucas idealizou para o que seria a história de origem do Anakin. É normal e saudável um artista mudar e evoluir, mas o caso foi totalmente o oposto: a visão de George sempre foi complementada com outros diretores para ditar o tom da história e deu super certo, porém, com ninguém para dar uma segunda opinião, a pré trilogia é composta de filmes medíocres, carregados de computação gráfica ultrapassada e cuja boa parte orçamento provavelmente foi para o cachê dos atores famosos.

Apesar disso tudo, o que salva as pré-sequências é o desfecho de A Vingança dos Sith e mesmo com todos esses problemas, ainda existe uma coerência narrativa, é ruim, mas existe. Todos os filmes têm como foco a queda de Anakin Skywalker, o suposto escolhido da Força, até sua transformação em Darth Vader. A história ao menos preocupou-se em manter uma sequência lógica entre os três filmes, mesmo com a execução porca. A trilogia da Disney nem sequer faz um esforço para isso porque não teve o mínimo de planejamento para tal.

Episódio III: A Vingança do Mickey

Em 2009, a Walt Disney Company iniciava seu plano de monopólio e dominação da indústria do entretenimento ao comprar a Marvel Studios em 2009, após o sucesso inesperado de Homem de Ferro, filme lançado no ano anterior. A partir daí, a Casa do Mickey Mouse não parou por aí e adquiriu a Lucas Film, a produtora de Star Wars desde 1977.

Com todo esse mercado da nostalgia e cada vez o debate de inclusão e representação nas mídias do entretenimento (que é sim um debate válido), a Disney uniu o útil ao agradável e anunciou uma nova trilogia, sim trilogia, que continuaria os eventos de O Retorno de Jedi. Sem uso abusivo de CGI, sem midichlorians e não seria mais a história dos Skywalker, mas sim de uma nova geração que seguiria os caminhos da anterior. Ou ao menos era o que os trailers nos prometiam, mas se era mentira ou não (spoiler: era mentira), a empolgação e expectativas foram acesas mais uma vez. Parecia o primeiro retorno de SW lá em 1999, com A Ameaça Fantasma.

No começo foi uma enorme comemoração pois a parceria Disney/Marvel estava decolando e fazendo rios de dinheiro, mesmo a contragosto dos fãs das HQ, a franquia do MCU era um sucesso absoluto. O problema é que só vimos a gravidade da situação tarde demais: uma única empresa, tradicional no mercado há literais décadas, possui não só a Marvel como também a Lucas Film, cujo nome como grande no cinema estava consolidado e conhecido. Em resumo, o rato tem monopólio de duas das maiores indústrias do cinema e ano passado terminou a compra da Fox. A Disney literalmente comprou a sua concorrência. Ou seja, ela é que detém as propriedades mais lucrativas nas animações e no cinema, sem dar qualquer chance de crescimento de uma concorrência saudável ou novas ideias para mexer um pouco o jogo. Os Jedi, os super-heróis e agora até Os Simpsons estão sobre o aval de uma única empresa e como dizia Maquiavel, “poder absoluto corrompe de forma absoluta”.

As novas políticas da Disney de utilizar grandes marcas, prezando o lucro acima de tudo afetaram Star Wars também, e nesse caos nem dá para esconder. Apelando para a representatividade e nostalgia, Episódio VII: O Despertar da Força foi lançado em 2015 e tinha bastante potencial, claro que as semelhanças com Uma Nova Esperança são inevitáveis assim como o Thanos, mas o novo universo de Star Wars parecia ter voltado às suas raízes de vez. O problema é que só ficou na promessa e na aparência.

No meio foram lançados Rogue One e Solo: Uma História Star Wars, afinal para a Disney se uma franquia não tem filme saindo todo ano, não lucra. O primeiro foi um filme com recepção extremamente morna e que, reassistindo uma segunda vez, mostra-se um longa chato e arrastado. O segundo já não posso opinar pois eu escolhi não ver. E pretendo continuar fingindo que não existe.

Os Últimos Jedi foi o ponto em que tudo mudou. Com a mesma pegada sombria de O Império Contra-Ataca (para mim o melhor filme da série), o longa foi de vez com a ideia de desprender-se da antiga geração, fazendo-a sumir para dar lugar à nova. A Força não era um monopólio da família Skywalker, ela guia quem a procurar e pode pertencer a qualquer um. A origem da Rey não tinha importância mas sim os atos dela é que moviam os integrantes da Resistência, reforçando a ideia das pessoas comuns fazerem a diferença por suas ações, sem exaltar laços de sangue ou sobrenomes famosos. Apesar dos pesares, o Rian Johnson queria dar uma direção específica para a história, onde o aluno supera o mestre.

Mas aí veio A Ascensão Skywalker e chutou tudo para o lixo.

Episódio IV: (Não Há) Uma Nova Esperança

O lançamento de Os Últimos Jedi causou uma enorme repercussão entre os fãs de Star Wars, mas essa repercussão era só birra porque o diretor quis sair da zona de conforto e mexeu com “elementos clássicos”. Eu concordo que o longa toma sim péssimas decisões, como o elo do Kylo Ren e Rey que surge do nada, a abordagem péssima dada ao Luke Skywalker e a sequência desnecessária do casino. Fato é que a repercussão negativa do filme chegou aos ouvidos da produção e infelizmente aos do J.J. Abrahams e logo que ocorreu o anúncio de A Ascensão Skywalker (quando ainda era só Star Wars IX) havia uma esperança de um futuro melhor para a série, parte disso era culpa do marketing que vendia o filme como a “épica conclusão da saga”. No fim não foi nada disso e ninguém esperava o resultado tão ruim quanto foi o capítulo final.

O Episódio IX sofre de problemas graves de roteiro. MUITOS deles. Para dar validar meu ponto, eu listei os que mais me deixaram irritado:

  • O elo de ligação entre Kylo e Rey não faz o menor sentido. Era para ser algo mental, mas do nada os dois interagem fisicamente,como no momento em que Kylo Ren pega o colar da Rey e descobre porcamente onde ela estava;
  • Paul Dameron diz que Palpatine era a mente por trás da Primeira Ordem e de todo o mal dos três filmes, mas não há quaisquer evidências sobre o vilão nos filmes anteriores. Até Naruto fez isso melhor com a Kaguya no papel de mente por trás de tudo (e isso não é um elogio);
  • Os mocinhos precisam achar informações sobre Hexagon, um planeta onde está a Ordem Final de Palpatine. Eles acham uma adaga com runas Sith que está com Chewbacca, mas supostamente ele morre. Três minutos por pura conveniência do enredo, C-3P0 diz que gravou as runas da adaga na memória;
  • C-3PO perde a memória para que os heróis possam saber a localização do artefato Sith e diz antes disso que não fez backup de sua memória no R2D2 por “não confiar” nos circuitos dele. Minutos depois, R2D2 convenientemente tinha feito o backup e a memória do dróide é restaurada;
  • No filme anterior, Kylo Ren afirma que os pais da Rey não tinham nada de especial e isso reforçava a ideia dela não vir de família nobre, mas ainda era alguém capaz de fazer a diferença. O EP IX volta atrás e diz que ela é neta de Palpatine, sendo que em momento NENHUM isso encaixa na cronologia;
  • Os raios do Palpatine ganham um aumento absurdo de força sem qualquer motivo. Mesmo se fosse o caso dele ter obtido a força vital de dois poderosos usuários da Força e recuperado sua forma poderosa, Darth Sidious jamais teria raios tão potentes;
  • A ressurreição de Palpatine não tem explicação alguma e é deixada de lado a história toda, assim como o conceito de Díade da Força nunca ser explicado;
  • A Ordem Final possui Destroyers com canhões capazes de explodir planetas. Se o Império Galáctico tinha uma frota inteira dessas coisas, por que diabos gastar recursos construindo DUAS Estrelas da Morte?
  • O beijo de Ben Solo e Rey não é só um erro, é desnecessário e gratuito;
  • Kylo Ren/Ben Solo sempre chega nos lugares sem nunca explicar como diabos ele chegou até ali;
  • Rey tem vários acessos de fúria e ódio gratuitos, quase mata o Kylo Ren, empurra Finn com a Força sendo que ela podia matá-lo de fato, mas ainda assim ela não caiu para o Lado Sombrio e é considerada uma Jedi.

Além de erros de enredo, o filme tem falas péssimas, comédia totalmente fora de hora e outro fator que depõe contra é ele ser previsível demais. Eu juro que tinha momentos onde eu chutava o que ia rolar e acontecia de verdade. Não há desafio nenhum na jornada porque a Rey é absurdamente poderosa e o roteiro não ajuda facilitando as coisas para ela. As mortes são sem peso algum porque magicamente um personagem morto ou com uma condição séria volta facilmente. O longa tenta forçar a nostalgia de tal forma que o arranjo novo da Marcha Imperial toca cinco vezes. Não há melhor palavra para descrever A Ascensão Skywalker do que “desastre”. Um completo desastre.

Conclusão: A Tragédia de Star Wars

No fim, tudo o que posso dizer sobre a franquia Star Wars no cinema é que ela é uma tragédia. A primeira trilogia é ótima e tem filmes empolgantes e épicos e deu origem ao Universo Expandido; a segunda tinha potencial mas o George Lucas quis impor demais sua visão sem uma consulta ou segunda opinião porém o EP III salva e por fim a última é uma demonstração de falta de cuidado e carinho por uma marca tão famosa e importante como Guerra Nas Estrelas. Me dói dizer isso, mas A Ascensão Skywalker matou meu interesse pela franquia como um todo. Se eu fosse aconselhar alguém para começar Star Wars, hoje em dia eu só recomendo os episódios IV, V e VI porque as duas outras trilogias não valem o esforço e tempo de ninguém, mesmo que cada uma tenha sim seus bons filmes. Parabéns Lucas Film, J.J. Abrahms e Disney, vocês acabaram de fazer um fã apaixonado e empolgado se sentir traído e desinteressado.

Se você leu até aqui sem perder a paciência, muito obrigado. E nos vemos na próxima.

Que a Força esteja com você… seja lá o que isso signifique hoje em dia.

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Paladin Allvo
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Written by Paladin Allvo

Brasileiro fã de anime, mangá, joguinho e quadrinhos. Escrevo as coisas que penso e/ou vivencio.

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